quinta-feira, 31 de março de 2011

O Reflexo Penal no Direito de Proteção e Defesa do Consumidor

Seguidores dos civilistas elaborei esse artigo o qual recebeu publicação pelo Jornal Gazeta de Notícias e que agora compartilho com vocês!

A ofensa a bens jurídicos relacionados a interesses patrimoniais e existenciais do consumidor, além de ensejar o dever de reparar danos materiais ou morais, a invalidade do negócio jurídico ou de algumas de suas cláusulas e aplicação de multa pode acarretar, cumulativamente, sanções penais para o infrator. Portanto a conduta ilícita pode, a um só tempo, encontrar consequências civis, administrativas e penais.
Trata o Título II do CPDC das infrações penais, as quais se submete o fornecedor de produtos ou serviços ao praticar ou deixar de praticar certas condutas ali previstas (princípio da reserva legal). Como verdadeiro direito penal do consumidor visa repreender tais condutas como ainda prevenir (princípio da precaução) a ocorrência destas.
A propósito, ante a ausência de previsão legal no tocante à parte geral, aplicam-se as normas dispostas no Código Penal, desde que compatíveis, em observância ao diálogo das fontes. (Art. 12 do CP: “as regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso”). Assim, é perfeitamente cabível a aplicação sobre a conduta praticada não só do CPDC, mas do próprio CP bem como leis especiais, sendo os fundamentos para tanto a busca da reparação integral (art. 6, VI) e a previsão do art. 7 ambos do mesmo diploma legal.
Não é incomum encontrarmos tipos penais no CP que versem sobre a proteção do consumidor (ex: arts. 171, 175, 177, 272 a 278 e 280 do CP) ou nas leis especiais (Lei 8.137/90, 1.521/51, 8.884/94). É certo que o surgimento do direito penal do consumidor vincula-se ao direito penal econômico, movimento de superação da concepção clássica sobre a economia liberal, segundo a qual o Estado só deveria intervir nesta quando absolutamente necessário para a remoção de obstáculos ao seu livre exercício.
Ressalte-se que não há infração penal sem resultado (ofensa ou ameaça ao bem jurídico tutelado), o que não se confunde com a ausência de resultado material, naturalístico, por isso as condutas tipificadas na legislação consumerista constituem “crimes de perigo”, bastando a simples manifestação (comissiva ou ainda omissiva) com a exposição ao risco para a consumação da infração, desprezando-se a concretização do dano efetivo. Assim, cada vez mais investe-se na prevenção, de modo a antecipar-se ao dano.
 Questão não menos tormentosa é a necessidade ou não da comprovação da materialidade através da produção de prova pericial. Consoante o entendimento pacificado nos Tribunais Superiores, a conduta do comerciante que vende ou expõe à venda produto impróprio ao consumo é suficiente para configurar o delito constante do art. 7º, IX, da Lei 8.137/90, sendo desnecessária a comprovação da materialidade delitiva por meio de laudo pericial, desde que existam outros elementos de convicção a respeito, como no caso, mesmo porque se cuida de crime formal, de perigo abstrato. 
 Ponto fundamental no direito penal do consumidor é a identificação dos sujeitos ativo e passivo das infrações penais. Em algumas situações o campo de incidência é bastante amplo, a exemplo quando tivermos a figura do bystander como ainda nas publicidades em massa e o interesse metaindividual, entretanto não são poucos os tipos que não fazem qualquer referência ao consumidor ou fornecedor, ex: art. 63 do CPDC. Em conclusão, os conceitos de “consumidor”, “fornecedor”, “produto” e “serviço”, em que pese tenham importância para a delimitar a incidência penal do CPDC, por vezes são prescindíveis. 
A atribuição penal de fatos praticados pela pessoa jurídica aos diretores, gerentes, sócios e empregados vincula-se à disciplina do concurso de pessoas (art. 29 do CP e reproduzido, em parte pelo art. 75 do CPDC e art. 11 da Lei 8.137/90) Deve-se perquirir quem, de qualquer modo, concorreu para o cometimento da infração e não pelo simples fato de o denunciado ser um dos administradores, pensar de modo diverso seria adotar a responsabilidade penal objetiva, o que vedado pela CRFB/88 face ao princípio da culpabilidade. (art. 1, III, 4, II e 5, caput e XLVI). Insta salientar que os Tribunais Superiores já se pronunciaram sobre a desnecessidade de descrição minuciosa da conduta de cada denunciado, vale dizer, não se exige a descrição minuciosa e individualizada da conduta de cada acusado, sendo suficiente a narrativa dos fatos delituosos, nem de forma singela, o nexo de imputação e sua suposta autoria para a consecução do ilícito penal, de maneira a permitir o exercício da ampla defesa e rechaçar a arguição de inépcia. Debatem a doutrina e jurisprudência se a pessoa jurídica pode, de fato, ser sujeito ativo de crime. Argumentos impeditivos: pessoa jurídica não possui vontade suscetível de configurar dolo e culpa, nem imputabilidade, violando a teoria do crime; o pleno exercício da ampla defesa estria prejudicado, haja vista a impossibilidade de realização do interrogatório; a incompatibilidade da aplicação das sanções, visto que incabível pena privativa de liberdade; a punição de uma pessoa jurídica certamente atingiria a figura do sócio, indo de encontro à personalização das penas, sendo certo que há posição nesse prisma na jurisprudência. Contudo, tal posição foi revista, notadamente após a previsão do §5 do art. 173 da CRFB/88 diz ser possível a legislação infraconstitucional estabelecer sanções penais para a pessoa jurídica. Na mesma linha, o art. 225, §3, da CRFB/88 estabelece que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparação dos danos e, posteriormente, com a edição da Lei 9.605/98, que cuida dos crimes contra o meio ambiente. Passou-se a considerar possível a responsabilização penal da pessoa jurídica, desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atuar ou seu nome ou em seu benefício (Teoria da Dupla Imputação). Pode-se concluir que mesmo para aqueles que aceitam a responsabilidade penal da pessoa jurídica na seara de consumo, ainda, há o obstáculo da incompatibilidade das penas previstas. O Código de Defesa do Consumidor só prevê punições adequadas às pessoas físicas, ou seja, para o microssistema1, apenas os diretores, gerentes, administradores das empresas é que responderão penalmente pelas infrações cometidas. Os tipos penais tutelam em sua maioria a saúde e segurança dos destinatários dos produtos/serviços. É direito básico do consumidor (art. 6) a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos, sendo defeituoso o que não oferece a segurança que dele se espera, inclusive por informações insuficientes ou inadequadas sobre a utilização e riscos (art.8 a 17). Cabe ao juiz definir se aquele determinado produto oferece ou não risco para o consumidor, podendo recorrer a alguns parâmetros administrativos. Diga-se de passagem que não são poucas as hipóteses que admitem o instituto da transação e demais benefícios da Lei 9.099/95. Questiona-se ainda a incidência do princípio da insignificância nos crimes de consumo, corolário do princípio da intervenção mínima do Direito Penal, busca afastar de sua seara as condutas que, embora típicas formalmente, não produzam efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal incriminadora, de modo a excluir a tipicidade material, contudo o bem protegido nos crimes de consumo é a saúde pública, o que o torna inaplicável. Enfim,essas foram algumas noções do reflexo penal no direito do consumidor.

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